terça-feira, 3 de junho de 2014

Representando a posição geográfica: Sistemas de Coordenadas, Datums e Projeções

A modelagem de entidades geográficas, assim como sua representação computacional, têm como necessidade elementar a representação de sua posição.

Em termos abstratos, a posição de um ponto, por exemplo, é determinada por um conjunto de coordenadas, devendo haver uma coordenada para cada dimensão do espaço em que o ponto existe.

No caso da geografia, temos dois espaços principais onde as posições são definidas:
  1. O espaço real, tridimensional, habitado pelos seres.
  2. O espaço cartográfico, em geral bidimensional, voltado à elaboração de mapas planos (em papel ou meio eletrônico).
A correspondência entre o mesmo ponto definido nos dois espaços é feita através de uma projeção cartográfica, que consiste em uma função matemática que transforma a posição tridimensional em posição bidimensional.
O espaço real é o espaço em que habitamos, e inclui todo o universo. No contexto da representação geográfica, temos o planeta Terra como principal objeto de referência, e em geral a Terra serve como origem para um sistema de coordenadas.

Sistema de coordenadas esférico (latitude, longitude e elevação),
com origem no centro da Terra

Na ilustração acima, vemos um sistema de coordenadas esférico, onde a letra Φ representa a latitude em graus a partir da linha do equador, e a letra λ representa a longitude em graus a partir de um meridiano de referência.

Caso a Terra fosse uma esfera perfeita, qualquer ponto em sua superfície teria a mesma coordenada de elevação, cujo valor seria igual ao raio da Terra, representado pelo segmento vermelho na figura.

O fato de vivermos em um espaço tridimensional requer obrigatoriamente que uma posição seja representada por três coordenadas, seja qual for o sistema utilizado (retangular, cilíndrico ou esférico, por exemplo), mas o sistema de coordenadas esférico apresenta a grande vantagem de termos uma coordenada de elevação que é ortogonal às outras, ou seja, cujo eixo é coincidente com o campo gravitacional.

Já o fato de representarmos informação geográfica frequentemente na forma de mapas planos (folhas de papel, telas de computador) também torna benéfico que o eixo que representa a elevação seja ortogonal aos eixos de posição horizontal, já que a gravidade faz com que o terreno natural e mesmo os espaços artificiais tenham uma estrutura predominantemente "plana".

Escolhendo um Sistema de Referência

Existem inúmeros sistemas de referência por coordenadas que permitem localizar com precisão cada posição geográfica na terra. Em geral esses sistemas foram criados em épocas e países diferentes para suprir demandas específicas relacionadas à cartografia, ou seja, à representação do espaço geográfico através de mapas de papel.

Atualmente, com a consolidação da cartografia eletrônica e da criação de informação geográfica nativamente digital, há uma facilidade muito grande de converter a posição entre dois sistemas de coordenadas quaisquer, desde que os parâmetros do datum de cada sistema de referência estejam bem documentados.

Quando falamos em datum, estamos nos referindo à descrição matemática da forma aproximada da terra, que é achatada nos pólos, dessa forma possuindo um elipsóide de referência. Esse elipsóide é complementado por um geóide de referência, que considera as variações locais na distribuição do campo gravitacional da terra (causada pela assimetria das massas dos continentes) e serve para determinar a altitude com relação ao nível do mar. Mais informações e ilustrações podem ser encontradas nesta página, de onde veio esta figura:

À esquerda, cálculo da elevação de uma montanha com relação ao elipsóide de referência, definido matematicamente. À direita, cálculo da elevação da mesma montanha com relação ao geóide, que acompanha variações locais do campo gravitacional terrestre.
A figura ajuda a explicar a razão de existirem tantos datums locais para diferentes partes do mundo: embora exista um elipsóide que se adequa melhor ao geóide global, quando a intenção é mapear uma região restrita é mais conveniente usar um elipsóide que se adeque bem à região do geóide restrita à vizinhança local (em geral, o território de algum país). Nas cartas topográficas do Exército Brasileiro, por exemplo, o datum utilizado é o de Córrego Alegre.

No caso do usuário doméstico, todos os dados oriundos de GPS utilizam como datum o datum WGS84 (World Geodetic System).

Projeções

Até agora, a discussão se manteve ao espaço tridimensional, e às definições de sistemas de coordenadas tridimensionais, sua origem e seus eixos. Mesmo que consideremos apenas a superfície terrestre, essa superfície ocupa um espaço tridimensional.

A representação visual das entidades geográficas, entretanto, é feita de forma geralmente bidimensional. Quando calculamos a distância entre pontos, ou ao longo de um caminho, ou a forma e o tamanho relativos de superfícies em um mapa, não fazemos isso em um modelo sólido, em 3D de verdade, mas sim em um mapa plano, de papel ou "de pixels", referenciado por uma grade em geral retangular.

É muito bem conhecido o problema de representar a superfície terrestre em um meio plano, visto que não podemos simplesmente "achatar" uma superfície esférica de forma que ela fique plana sem provocar algum tipo de distorção. Por isso, inúmeras projeções foram inventadas ao longo do tempo para que a distorção de cada mapa fosse minimizada para a aplicação pretendida.

Papel versus Pixels

Até há pouco tempo atrás, os mapas de papel eram usados como o próprio meio onde se realizavam medições e cálculos, pois não havia ferramentas computacionais como as de hoje. Algumas projeções distorcem menos as distâncias, outras distorcem menos os ângulos, outras preservam as áreas relativas, etc., mas todas envolvem algum tipo de distorção que precisa ser considerada caso se deseje realizar medições diretamente no mapa.

Com a migração massiva da cartografia em papel para a cartografia digital, duas características passam a ser relevantes para a definição de uma projeção preferível ao usuário não-profissional:
  • A praticidade computacional em converter coordenadas tridimensionais em coordenadas de mapa;
  • A facilidade de calcular automaticamente superfícies, distâncias, ângulos, sem necessidade de fazer cálculos e medições visuais no mapa.
Assim, por exemplo, quando o usuário clica dois pontos no Google Maps para saber a distância entre eles ao longo de uma estrada, a distorção cartográfica é irrelevante, pois o cálculo da distância é feito usando o sistema de coordenadas tridimensional (que considera a distância geodésica entre os pontos).

Ou seja, o software "sabe" que as distâncias e os tamanhos aparentes das coisas, na projeção do mapa, não são proporcionais.

Mais que isso: o mapa que o usuário vê na tela é apenas uma representação, uma visualização bidimensional de um modelo que é intrinsecamente tridimensional, e é sobre esse modelo que os cálculos são de fato realizados. Isso faz com que a projeção possa ser escolhida com muito mais flexibilidade, e de acordo com a conveniência computacional.

Qual a projeção usada nos mapas da internet?

A principal entidade a organizar e sistematizar as diferentes projeções foi o Grupo Europeu de Prospecção de Petróleo (EPSG - European Petrol Survey Group).

Uma forma computacionalmente natural de planificar o globo é simplesmente atribuir longitude e latitude aos eixos X e Y do mapa. Essa é a projeção chamada equi-retangular, e no caso em que a latitude principal é o equador, é chamada de plate carré (EPSG:32663):

Projeção equi-retangular com gradícula de 10° (fonte: NASA)
Essa projeção preserva a uniformidade de distâncias ao longo dos meridianos, mas distorce os paralelos, fazendo com que estes fiquem muito mais longos do que quanto maior a latitude. Regiões como Antártida, Groenlândia, Rússia e Canadá apresentam grande deformação de formas e ângulos.

Uma outra projeção bastante comum que busca minimizar esse problema é a Projeção de Mercator. Nessa projeção, a "dilatação" dos paralelos é compensada por uma "dilatação" correspondente dos meridianos, fazendo com que as regiões perto dos pólos tenham uma área aparentemente maior, porém preservando as proporções geométricas nas vizinhanças de qualquer ponto do mapa. Além disso, a linha mais curta entre dois pontos quaisquer aparece no mapa como uma linha reta, o que é importante para a navegação. Abaixo, a projeção de Mercator (EPSG:3857):

Essa projeção foi escolhida pelo Google para o Google Maps, e foi na época denominada "EPSG:900913" (a palavra "google" escrita em números...), mas foi depois renumerada pelo EPSG para 3857. Outros nomes são "Spherical Mercator" ou "Web Mercator", mas todas são a mesma projeção.

Praticamente todos os serviços de mapas na internet (Google, Bing, Yahoo, Nokia, OpenStreetMap, ArcGIS) utilizam essa projeção para exibir mapas e também para calcular distâncias, por isso é importante salientar que existe um pequeno erro conhecido no cálculo das distâncias, porque nesse sistema os pontos são projetados sobre um esferóide de referência, e não sobre um elipsóide, que daria resultados mais precisos (porém levemente mais complexos de serem calculados). O esferóide considera o raio terrestre no Equador como se fosse o raio da Terra inteira. Isso causa um aumento das distâncias calculadas em latitudes maiores, mas com erros tipicamente menores que 0,3%.

Conclusão

Para representar e comunicar corretamente a posição geográfica, é necessária a definição de um sistema de referência por coordenadas. Como o espaço é tridimensional, o sistema contém três coordenadas.

Devido à forma esférica da Terra, cujo campo gravitacional é orientado radialmente, torna-se prático o uso de um sistema de coordenadas esférico, composto por latitude, longitude e elevação.

A elevação necessita de uma referência de "zero", e a referência natural é o nível do mar. Devido a variações na gravidade terrestre devido à distribuição assimétrica dos continentes, esse nível do mar descreve um geóide que é irregular. Esse geóide é aproximado por um elipsóide, que considera dois raios e uma excentricidade, devido ao achatamento dos pólos. Por fim, em aplicações cartográficas onde a precisão absoluta não é necessária, é possível optar por um esferóide, que representa a Terra como sendo esférica.

Além da representação tridimensional, que pode e deve ser usada para cálculos, a visualização em geral é feita em 2D, e para isso deve ser escolhida uma projeção, que consiste em uma fórmula que mapeia (projeta) determinado ponto terrestre em um determinado ponto no mapa.

Devido à proliferação dos mapas na internet, que tornou acessível a informação geográfica para o usuário entusiasta, qualquer aplicação de mapas se beneficia de usar o mesmo sistema de coordenadas e a mesma projeção dos serviços de mapa online.

Esse sistema de coordenadas é o WGS84, e essa projeção é a Esférica de Mercator.

Daqui por diante, todas as discussões a respeito de posição geográfica e sua projeção feitas neste blog considerarão por padrão esses sistemas, exceto quando explicitamente afirmado o contrário.

A partir desta discussão, podemos também começar a tratar da modelagem e da representação computacional da posição geográfica, coisa que pretendo fazer na próxima postagem.

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